quarta-feira, 13 de maio de 2009


Uma ode aos valores
culturais da raça negra


Edvaldo Brito


Por tantos anos sepultaram-se, entre nós, os valores culturais da raça negra, integrante da etnia brasileira, que se está tornando necessário um trabalho permanente para desencavá-los e cuidá-los na perspectiva de sua preservação.
Tantos anos... que os próprios participantes desse contingente humano não os podendo identificar entre os valores cultivados e cultuados na nossa sociedade, passaram a confundí-los, quando eventualmente aflorados, como manifestações sub-humanas ou, ainda que as supusessem humanas, consideravam-nas tão bárbaras que as assemelhavam aos mais remotos usos e costumes dos primatas.
Tantos anos... que essa tarefa de preservação passou a ser uma exigência diuturna a ser desempenhada por todos os brasileiros, qualquer que seja a origem racial.
É por isso que Aline França faz muito bem a sua parte dando à luz mais uma edição deste seu excelente trabalho: “A Mulher de Aleduma”, dizendo em prosa uma verdadeira ode, uma bela epopéia em torno deles.
Li com atenção, a partir da primeira frase, as palavras que se sucediam, porque desde o início percebi que era uma epopéia, era uma ode a esses valores sem a mais mínima dose demagógica de panfletários, racismo, preconceito ou segregação que se destroem na própria violência em que são criados e, por isso, sem conseguirem construir as bases onde se preservarão esses valores.
E essa sucessão me foi revelando imagens características dos mais evidenciados desses valores: A resignação do negro brasileiro diante da selvagem escravização a que foi submetido; a sua esperança na redenção decorrente de sua disposição de luta, que até hoje empreende, para reverter essa situação altamente adversa. Tudo, porém, caldeado pelo maior desses valores, a força de sua personalidade cada vez mais forte pela forja que a energia transmitia à têmpora.
Energia que era a própria divindade encarnada no Velho Aleduma, começo e fim de tudo, exemplo maior de resignação: “não temeis, serão superiores aos sofrimentos que virão” .
Pois bem, essas imagens sucedem-se no livro - a escravidão; a mistura de práticas religiosas fruto da luta dos crentes dos orixás para fazerem sobreviver a sua fé ante a força dominadora do colonizador empregada até contra o mais importante bem da vida humana que é a liberdade de pensamento; a vitória final surgida no congraçamento de todos os filhos de Aleduma, numa quadra de ensaio de um afoxé que é a expressão maior modernamente de afirmação dos valores negros; filhos conscientes dos seus valores e da importância deles para a preservação de sua vida com dignidade humana à semelhança dos demais seres da terra.
Tudo isto, enfim, compõe a epopéia em que se constitui este livro, intrinsecamente, ótimo pela mensagem que transmite e, formalmente, de uma estética insuperável pela linguagem rica e escorreita, parcimoniosa nos adornos e objetiva no trato dos temas, de modo a alçar o trabalho ao nível das mais destacadas narrativas épicas – mesmo sendo em prosa – da nossa ficção literária.
Dizer mais do que isto é tirar do leitor o gosto maravilhoso de colher em suas páginas as belas imagens a que me referi.
Recomendá-lo é um dever de quantos estamos empenhados na obra de preservação desses valores.


Salvador, março de 1985