quarta-feira, 13 de maio de 2009

Por Yeda Pessoa de Castro

Quando Aline publicou em 1979 seu primeiro livro," Negão Dony" abriu caminho por seus méritos. A repercussão favorável da crítica foi imediata. " Um livro da Bahia e todo seu mistério " era a manchete da " Folha da Tarde", de São Paulo, do dia 5 de julho. "Nele - escrevia Torrieri Guimarães - Aline França consegue manter-se naquele território intermediário entre a realidade e o universo mágico, uma linha frágil, uma fronteira mínima, na qual o espírito oscila entre o sonho, a fantasia e os secretos poderes de um mundo de magia que desconhecemos". Começava a despontar a escritora Aline França no cenário da literatura brasileira contemporânea pela sua sensibilidade peculiar e altamente imaginativa. Era uma mensagem nova,verdadeiramente africana, que emergia em maior beleza e signific- ação simbólica com "A Mulher deAleduma", uma leitura poética do mundo mítico e uma reflexão pessoal sobre o significado dos símbolos dominantes. Desta vez o elogio da critica foi mais além. "A obra de Aline promove a recuperacão do negro " - era a reconhecimento de Jorge Cândido, pelo Instituto de Pesquisas das Culturas Negras do Rio de Janeiro, e sua afirmação: "Aline, por querer sair um pouco da explicação tradicional cientificista do negro, dá-lhe essa resposta, mediante a ótica do romance ficcional. Foi a maneira que encontrou para protestar contra a situação calamitosa em que o negro se encontra no Brasil e em outras diásporas". Em 1981, a revista nigeriana " Ophelia ", de circulação internacional e em língua inglesa, fazia na Bahia uma entrevista com Aline sobre sua vida e obra. Publicada em abril do ano seguinte, " Ophelia " coloca Aline França entre os precursores da literatura contemporânea " no gênero ficção em estilo surrealista" no comentário sobre "A Mulher de Aleduma ", ao final ressalta que a autora " quando desenha um paralelo entre a Bahia e essa ilha ( do planeta Terra), toca em todos os aspectos da vida da comunidade negra baiana, pondo em jogo as forças sociais e as lutas do negro contra elas". A revista alemã " IKA, Zeitschrift für Kulturaustausch", n° 25, de maio de 1984,traz , com tradução de Johannes Augel, a resenha " Aline França, eine afro-brasilianische Schriftstellerin ", de leda M. R. dos Santos, focalizando principalmente " A Mulher de Aleduma". Com esta obra, Aline França abre novos rumos na literatura contemporânea de temática afro- brasileira.




Aline França tem o seu nome incluído nos Dicionários:

Dicionário de Autores Baianos
Secretaria da Cultura e Turismo - Bahia- 2006

Dicionário crítico de escritoras brasileiras
Por Nelly Novaes Coelho - 2002



Aline França e o Teatro

Os Estandartes" autoria de Aline França baseada no livro do mesmo nome conta a história dos "fortiafri" que na definição da autora é um povo que alerta o mundo sobre a espiritualidade e a devastação da Natureza, as mensagens são transmitidas através de estandartes. "Emoções das Águas" é a continuação da peça teatral "As Fontes Antigas de Salvador e Seus Convidados", autoria de Aline França. A peça tem uma concepção que integra Arte, Educação Ambiental e Cultura. Tem como inspiração o banzo do povo africano, forçado a deixar o seu Continente para ser escravizado em além-mar. Somente a força das águas servia á comunicação com os parentes deixados na terra mãe, a África. Os espelhos d'água eram utilizados para molhar os olhos dos negros, que usavam para encantamento e pedido de forças. Não podemos esquecer das nascentes que serviram aos Quilombos e suas consequências históricas, sociais e antropológicas. A peça "As Fontes Antigas....", foi apresentada em diversos locais de Salvador, o Projeto foi tranferido para Teodoro Sampaio-BA, onde recebeu o título de "Emoções das Águas" As nascentes de Salvador, foram substituidas por nascentes do Recôncavo Baiano. No texto existe realidade e uma dificil ficção.





Uma ode aos valores
culturais da raça negra


Edvaldo Brito


Por tantos anos sepultaram-se, entre nós, os valores culturais da raça negra, integrante da etnia brasileira, que se está tornando necessário um trabalho permanente para desencavá-los e cuidá-los na perspectiva de sua preservação.
Tantos anos... que os próprios participantes desse contingente humano não os podendo identificar entre os valores cultivados e cultuados na nossa sociedade, passaram a confundí-los, quando eventualmente aflorados, como manifestações sub-humanas ou, ainda que as supusessem humanas, consideravam-nas tão bárbaras que as assemelhavam aos mais remotos usos e costumes dos primatas.
Tantos anos... que essa tarefa de preservação passou a ser uma exigência diuturna a ser desempenhada por todos os brasileiros, qualquer que seja a origem racial.
É por isso que Aline França faz muito bem a sua parte dando à luz mais uma edição deste seu excelente trabalho: “A Mulher de Aleduma”, dizendo em prosa uma verdadeira ode, uma bela epopéia em torno deles.
Li com atenção, a partir da primeira frase, as palavras que se sucediam, porque desde o início percebi que era uma epopéia, era uma ode a esses valores sem a mais mínima dose demagógica de panfletários, racismo, preconceito ou segregação que se destroem na própria violência em que são criados e, por isso, sem conseguirem construir as bases onde se preservarão esses valores.
E essa sucessão me foi revelando imagens características dos mais evidenciados desses valores: A resignação do negro brasileiro diante da selvagem escravização a que foi submetido; a sua esperança na redenção decorrente de sua disposição de luta, que até hoje empreende, para reverter essa situação altamente adversa. Tudo, porém, caldeado pelo maior desses valores, a força de sua personalidade cada vez mais forte pela forja que a energia transmitia à têmpora.
Energia que era a própria divindade encarnada no Velho Aleduma, começo e fim de tudo, exemplo maior de resignação: “não temeis, serão superiores aos sofrimentos que virão” .
Pois bem, essas imagens sucedem-se no livro - a escravidão; a mistura de práticas religiosas fruto da luta dos crentes dos orixás para fazerem sobreviver a sua fé ante a força dominadora do colonizador empregada até contra o mais importante bem da vida humana que é a liberdade de pensamento; a vitória final surgida no congraçamento de todos os filhos de Aleduma, numa quadra de ensaio de um afoxé que é a expressão maior modernamente de afirmação dos valores negros; filhos conscientes dos seus valores e da importância deles para a preservação de sua vida com dignidade humana à semelhança dos demais seres da terra.
Tudo isto, enfim, compõe a epopéia em que se constitui este livro, intrinsecamente, ótimo pela mensagem que transmite e, formalmente, de uma estética insuperável pela linguagem rica e escorreita, parcimoniosa nos adornos e objetiva no trato dos temas, de modo a alçar o trabalho ao nível das mais destacadas narrativas épicas – mesmo sendo em prosa – da nossa ficção literária.
Dizer mais do que isto é tirar do leitor o gosto maravilhoso de colher em suas páginas as belas imagens a que me referi.
Recomendá-lo é um dever de quantos estamos empenhados na obra de preservação desses valores.


Salvador, março de 1985